Coluna Álvaro Machado Dias na VoceRH

Como a neurociência pode ajudar nos processos de assessment

Usei neurociências no processo de assessment do ExpoFavela, um programa pioneiro de empreendedorismo + reality show (TV Globo). Conto aqui como foi a experiência.

Como a neurociência pode ajudar nos processos de assessment

Assessment com neurociências para um reality show

Uma divisão fundamental na área de recursos humanos é que se dá entre seleção e assessment.

Seleção profissional, como o nome diz, serve para a redução de uma amostra a outra menor; em geral, seu foco recai sobre a contratação.

Já o assessment procura mapear características estilísticas, sociorrelacionais e de personalidade de uma amostra, no intuito de conhecê-las melhor e permitir que cada um se conheça também. Em geral, os assessments são voltados para quem já está conectado a alguma instituição. 

Uma ferramenta de seleção que cumpre o que promete deve ser capaz de elencar as pessoas, a partir de critérios claros, com alta coerência de teste/reteste. 

Ela também deve ter validade ecológica, o que na prática significa estar alinhada às tarefas demandas no cargo e seus resultados devem traduzir a importância relativa de cada uma das dimensões preconizadas para a função. Provinhas de lógica não tem valor na seleção efetiva do comercial e assim por diante. 

Já os instrumentos de assessment devem partir de teses sobre como as dimensões da personalidade ou do estilo manifestam-se, para então derivar maneiras eficientes de capturá-las.

Essa, pelo menos, é a teoria. Na prática, ferramentas de assessment são usadas em processos seletivos, sob a máxima de que determinadas subjetividades são mais interessantes para as empresas do que outras, o que gera fenômenos bizarros como o de que, no LinkedIn, todo mundo é extrovertido, prefere grupos à individualidade e tem como maior defeito o perfeccionismo.

Eu me aproximei do tema desenvolvendo simuladores 3D para seleção, mas, hoje ando muito envolvido com assessment, que é uma área quase tão carente quanto aquela. Foi com isso em mente que mergulhei de cabeça no projeto do ExpoFavela.

O ExpoFavela é uma espécie de feira de negócios, misturada com workshop para o empreenderismo de favela, movimento social e mais um monte de outras coisas, que foi idealizada pelo Celso Athaíde com alguns outros amigos.

O Instituto Locomotiva é uma das empresas por trás desta composição, assim como a Rede Globo, que lançou o reality “Expo Favela – o desafio”. Como sócio da Locomotiva e entusiasta da causa, mergulhei na elaboração do processo seletivo dos participantes do reality e, num segundo momento, no assessment dos inscritos. Foi esta segunda parte que me motivou a escrever este artigo.

Os selecionados eram todos high achievers, de alto QI, com ideias excepcionais, grande capacidade de comunicação e tudo mais que você pode imaginar quando aplicamos uma peneira pela qual passam 20.000 e só ficam 10.

O desafio que isto cria é maior do que pode parecer: como lançar luz sobre aspectos que compõem a ultra-essencialidade em um grupo de pessoas excepcionais? Trata-se de desafio análogo ao da criação de um assessment capaz de flagrar as nuances que diferenciam CEOs arrolados em uma amostra do topo do ranking da B3.

Eu e a Brenda Miura, neurocientista da Locomotiva, optamos pelo seguinte: usar uma combinação de eletroencefalografia (EEG), variabilidade cardíaca e rastreamento ocular, em associação com uma bateria de dilemas e dinâmicas sobre estilo pessoal para gerar perfis que falassem ao mesmo tempo sobre os aspectos conceituais e estilísticos, quanto os aspectos energéticos de cada um, nas esferas consciente e inconsciente.

Para isso, circunscrevemos um recorte desde a literatura especializada que utilizei na minha livre-docência (EPM-UNIFESP), a qual tem como objeto central os interesses e preferências e, como paradigma metodológico mais importante, a teoria dos jogos.

A partir deste recorte, compusemos uma bateria usando tarefas que vim criando ou adaptando para usar com neurociências, nestes últimos quinze anos, a qual testamos numa amostra para ter algumas normas. Daí saiu a bateria de assessment do ExpoFavela.

Aqui vai o racional da mesma:

O EEG foi extraído de toda a parte frontal, pariental e temporal do cérebro e usado para determinar o tônus vital, juízos de prazer e desprazer, além de percepções envolvendo coerência e incoerência.

A variabilidade cardíaca serviu para medir o impacto profundo, visceral de modelos projetivos, de foco empresarial. Já o rastreamento ocular serviu para determinar a atenção e engajamento, bem como determinar o que chama a atenção de cada um, de maneira implícita, semi-consciente.

Estas estratégias de mensuração foram combinadas aos dilemas (jogos) e dinâmicas de estilo da seguinte maneira:

Os participantes foram expostos a tipologias narrativas de sucesso, baseadas em trajetórias distintas: uma pautada pelo esforço extremo e a outra em criatividade e senso de oportunidade.

Enquanto os participantes mergulhavam nessas narrativas, captávamos ondas cerebrais e variabilidade cardíaca (subsequentemente processadas usando IA), que nos permitiam saber o perfil narrativo mais atraente para cada e, em termos profundos, suas ressonâncias viscerais.

O mesmo princípio foi aplicado em outras duas dinâmicas e o resultado foi usado para gerar um índice do “Tipo Empreendedor”, exclusivo para cada um.

A variabilidade cardíaca se diferencia do EEG porque depende de alterações fisiológicas autonômicas (simpático/parassimpático), ou seja, é menos sutil e mais alinhada a uma fenomenologia dos impactos duradouros. Ela foi usada sozinha em dinâmicas que falavam do medo de falhar e outros medos profundos. Estas dinâmicas revelaram-se das mais valiosas, já que medos são tabus, especialmente em situações como esta.

Já o rastreamento ocular serviu para a gente aplicar o chamado paradigma da escolha forçada, que é aquele em que o participante é obrigado a escolher entre opções, superando estados de incerteza cristalizados em plano declarativo.

Neste caso, a escolha não era explícita, mas assumida em função do tempo de fixação nos estímulos: quanto maior o tempo de fixação, mais o estímulo teria chamado a atenção, sendo assim “escolhido”, de maneira tácita. Isso serviu para comparar imagens de riqueza e fama, entre outras. 

Finalmente, combinamos EEG e variabilidade cardíaca novamente, para gerar um índice energético, relativo ao tônus em seu aspecto mais vital, o que também incluiu uma bateria de testes que envolvia questões do tipo: “você está mais para maratona ou para corrida de cem metros?”. 

Figura I. Sala de neurociências montada no pavilhão do ExpoFavela, por onde circularam milhares de pessoas. Coleta de neurociências in situ virou atração especial para os convidados e jornalistas presentes na área restrita do evento.

Os resultados finais foram entregues aos participantes, junto com considerações customizadas para cada um, que achamos que poderiam ser úteis. Ano que vem tem mais.

Considerações finais

Eu já fiz dezenas, ou talvez centenas, de experimentos neurocientíficos, mas ainda não tinha conduzido uma bateria de assessment neste formato. Minha percepção é que vale a pena, desde que a situação justifique o esforço. Mesmo tendo um bom parque de equipamentos, equipe, know-how e tudo mais, tivemos que suar a camisa para gerar os resultados no passo do evento, o que não seria muito diferente numa situação empresarial qualquer.

Isso me faz pensar que essa é uma abordagem interessante para ser aplicada em conselhos gestores, grupos de alta performance e políticos (adoraria fazer um assessment destes nos presidenciáveis).

Para situações mais convencionais, uma boa ferramenta digital dá conta do recado.

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