Coluna Alvaro Machado Dias na Folha de São Paulo
Viver mais ou melhor? Veja resultados inéditos de um amplo estudo nacional
Valorização do tempo de vida muda de acordo com a faixa etária; idosos preferem qualidade a anos adicionais.

Quase todo o mundo quer viver mais e melhor. Mas, entre mais ou melhor, o que preferem os brasileiros? Essa pergunta norteou a condução de um experimento científico inédito no país, cujos resultados apresento em primeira mão neste artigo.
O estudo foi feito usando uma plataforma digital desenvolvida para estudar o comportamento humano e registrar medidas fisiológicas. Mil seiscentos e oitenta e duas pessoas, de 18 a 77 anos (média de 39,5 anos), participaram. A distribuição seguiu os critérios do IBGE para renda e sexo, e a condução esteve a cargo do time de neurociências da Locomotiva, sob a minha supervisão. Os dados foram coletados em agosto, e as análises foram finalizadas nas últimas semanas.
Quarenta e três por cento das pessoas tomam o tempo de vida como prioridade, sendo que 24% desses o fazem com extrema convicção. Cinquenta e sete por cento priorizam qualidade de vida, sendo que 33% o fazem com extrema convicção.
Cinquenta e oito por cento dos que preferem viver mais são homens. A preferência por prolongar a vida é predominante entre os menos escolarizados; 53% daqueles que cursaram até o fundamental completo optam por mais tempo. Destes, 64% dizem-se extremamente convictos dessa opção. Em contraste, menos da metade das pessoas que se formaram na faculdade prefere mais tempo a mais qualidade de vida.
As pessoas que se identificam como muito ricas priorizam tempo, enquanto as mais pobres priorizam qualidade de vida. O instrumento utilizado é autodeclaratório e foca a percepção de riqueza e não a renda, na linha de estudos internacionais similares.
Quarenta e três por cento das pessoas tomam o tempo de vida como prioridade, sendo que 24% desses o fazem com extrema convicção. Cinquenta e sete por cento priorizam qualidade de vida, sendo que 33% o fazem com extrema convicção.
Cinquenta e oito por cento dos que preferem viver mais são homens. A preferência por prolongar a vida é predominante entre os menos escolarizados; 53% daqueles que cursaram até o fundamental completo optam por mais tempo. Destes, 64% dizem-se extremamente convictos dessa opção. Em contraste, menos da metade das pessoas que se formaram na faculdade prefere mais tempo a mais qualidade de vida.
As pessoas que se identificam como muito ricas priorizam tempo, enquanto as mais pobres priorizam qualidade de vida. O instrumento utilizado é autodeclaratório e foca a percepção de riqueza e não a renda, na linha de estudos internacionais similares.
IDOSOS QUEREM QUALIDADE, ENQUANTO A CIÊNCIA QUER ENTREGAR QUANTIDADE
A expectativa de vida cresceu em torno de 1 ano a cada 4 anos, durante os últimos 40 anos, nos países mais industrializados e ainda mais no Brasil, onde passou de 62,5 para 76,6 anos (1980 a 2019).
A principal razão para esse aumento é a redução da mortalidade infantil, fator muitas vezes mal-interpretado: não é que os quinquagenários da década de 1970 tivessem expectativa de deixar este plano nos primeiros anos da seguinte, mas que a média etária de toda a população ao morrer, incluindo vários bebês, era de 62,5.
Esse mesmo equívoco norteia a percepção geral sobre a vida na Antiguidade, tratada como um período em que passar dos 30 era coisa rara. Se fosse o caso, o poeta Hesíodo não teria escrito, no século VII a.C., que o homem deveria se casar com cerca de 30 anos —idade mínima para que um jovem assumisse um cargo político de maior importância em Roma. Ali, o cônsul Valério Corvino viveu até os 100, Terentia, viúva de Marco Túlio Cícero, até os 103 anos, enquanto Clódia viveu até os 115 (conheça mais).
J. Montagu analisou milênios de registros de óbitos e concluiu que as pessoas que chegam à vida adulta e nela não tomam parte em guerras ou enfrentam pandemias tendem a atingir os 70 anos de idade. Segundo ele, a expectativa de vida dos adultos de 1.000 a.C. era apenas 1 ano menor que a do período 1850-1949, período em que as mortes no parto e as no campo de batalha davam o tom.
Isso não significa que os sexagenários de hoje tenham à frente um horizonte temporal semelhante aos de 100 anos atrás. Pelo contrário, os investimentos em saúde das últimas décadas, fortemente direcionados ao prolongamento da vida, têm gerado resultados.
Acontece que esses resultados são acompanhados de uma pegadinha: a qualidade de vida tende a cair em muitos casos, em contraste com o que os idosos desse estudo que você está conhecendo em primeira mão querem e com diversos outros.
Uma hipótese para isso, consonante com os dados históricos apresentados, é que as tentativas de elevar a expectativa máxima de vida, tanto em termos individuais quanto populacionais, são acompanhadas por desafios clínicos imensos, criados pelo fato de que nunca houve pressão seletiva sobre os fatores moleculares que determinam esse limiar.
Independentemente da validade desse raciocínio, fato é que não dá para injetar os anos extras no meio da vida; eles obrigatoriamente devem vir ao fim, o que faz com que a expectativa de vida suba mais rapidamente do que a expectativa de vida com saúde.
J. Nemitz conduziu um amplo estudo sobre o prolongamento da vida, usando a satisfação agregada, ano a ano. De acordo com ela, o aumento da expectativa de vida dos idosos entre 1985 e 2011 reduziu a qualidade da experiência nos cinco anos finais de vida das pessoas, aumentando a proporção do tempo vivido de maneira infeliz.
Pessoas de idade avançada, geralmente acometidas por diversas comorbidades, passam mais tempo que nunca entre a vida e a morte, dado que evoluímos muito na capacidade de mantê-las assim.
Um estudo publicado na Lancet indica que, se continuarmos nesse caminho, teremos, até 2060, um crescimento de 87% nas mortes sob severa dor causada por múltiplas condições incapacitantes. Quase metade de todas as mortes do mundo terão esse perfil, com um detalhe: elas não irão se distribuir de maneira equânime, mas se concentrar nos países de renda baixa e média, nos quais a prevenção de doenças é incipiente.
Essa questão possui grande importância para o desenvolvimento de políticas públicas e mesmo para a alocação dos esforços familiares, pois o foco maciço no prolongamento da vida reduz o valor percebido das medidas para a elevação da qualidade de vida dos idosos, as quais tendem a estar mais alinhadas às suas aspirações, além de terem função preventiva.