O Globo

As bases violência política: Neurocientista Álvaro Machado Dias analisa

Relação entre ideologia e altruísmo é uma das chaves para abordar casos como o de Foz do Iguaçu.

Como revelou pesquisa do Instituto Locomotiva publicada pelo Pulso, o assassinato do guarda municipal e tesoureiro do PT Marcelo Aloizio de Arruda em Foz do Iguaçu (PR) no dia 9 de julho foi amplamente absorvido pela opinião pública brasileira, especialmente pelo eleitorado feminino. A rejeição ao caso e o pessimismo de que o país enfrentará novos episódios do tipo levanta a discussão sobre os motivos pelos quais esse tipo de agressão se manifesta. O neurocientista e professor da Unifesp Álvaro Machado Dias, do Locomotiva, analisa por que a violência política vem ganhando espaço no Brasil polarizado de 2022 entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lideram as pesquisas de opinião para a Presidência.

Em um sentido contraintuitivo do termo, Dias defende que um sentimento de altruísmo, no fundo, está por trás de atitudes como a de Foz do Iguaçu e outras que possam surgir daqui a outubro. Quando sujeitos, sozinhos ou em grupo, estão envolvidos em um movimento político extremado, há dois principais caminhos possíveis, explica o neurocientista. Se uma ideologia está internalizada e há uma crença efetiva de que aquele caminho, qualquer que seja, é o certo, o sentimento pode não evitar completamente, mas reduzir chances de violência.

No entanto, força e energia políticas de um sujeito podem ficar “caminhando nas sombras”, como explica o neurocientista. Desta forma, certas pessoas acabam “sendo agarradas por essas forças porque, no final, elas facilitam uma identificação” que não está plenamente enraizada. Assim, um ataque ao outro lado, assinala Dias, surge para ajustar uma ideologia, que, apesar de parecer plenamente estabelecida pelo indivíduo, está ameaçada por um outro lado.

— Há um paradoxo quando digo que a principal razão da violência política é o altruísmo. Estamos acostumamos a pensar nessa palavra ligada ao melhor interesse da sociedade, mas não é bem assim. O senso comum entende o altruísmo por uma via estritamente benevolente. Trata-se de um equívoco. Muito mais comum é o altruísmo de quem toma as dores dos outros, como no caso do sujeito que grita “pega ladrão”, na cena do crime, consciente de que pode tomar um tiro — analisa Dias.

O neurocientista avalia que um real sentido de altruísmo precisa ser mais discutido quando a violência política está em pauta:

— Para compreender adequadamente a violência política, é preciso antes analisar o real sentido de altruísmo que, longe de significar algo intrinsecamente construtivo para a sociedade, representa a disposição espontânea para sair em defesa de alguém do seu grupo, sob um senso de justiça, o que pode ser tão bom quanto ruim.

Estudos no campo psicologia comportamental, como os publicados por Agnieszka Golec de Zavala, da Goldsmiths, University of London, no Reino Unido, usam o conceito de narcisismo coletivo para a estudar o mesmo ponto. Em certos grupos políticos, como os que envolveram o ex-presidente dos EUA Donald Trump e foram estudados por Golec de Zavala, foram identificados sinais de narcisismo coletivo, que, basicamente, incutem uma atitude proteção do grupo acima de tudo.

Em outras palavras, se um ataque é feito a um integrante do grupo, a ação é vista como ameaça a todos os seus membros, que podem responder individualmente. O narcisismo coletivo é a crença de que um grupo é excepcional, mas não suficientemente reconhecido pelos outros. Como escreve Golec de Zavala, o “amor dentro do grupo” é robustamente associado com o “ódio ao grupo de fora” e sua falta de reconhecimento, vista como hostilidade e que precisa ser, de alguma forma, resolvida. Muitas vezes com violência e ameaça. De modo geral, o narcisismo coletivo é associado a uma hipersensibilidade à provocação e uma crença de que só uma vingança hostil é a saída.

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