Meio e Mensagem
A Curva de Gartner aplicada ao metaverso
Nova entrevista sobre o metaverso para o Meio e Mensagem, com foco nas transformações que deverá sofrer ao longo dos próximos anos, tendo por referencial a curva de Gartner.
Entenda o metaverso.
Facebook e Microsoft estão desenvolvendo metaversos, mas outras empresas como a martech Pixit também criaram seus próprios metaversos. Quem ganha nessa disputa?
Ainda é muito cedo para falar. Do mais, as agendas são distintas e nem sempre mutuamente excludentes. De maneira preliminar, acredito que teremos quatro grandes linhas de vencedores que, em ordem de importância, são:
I. Web 3.0, que é o conceito de conectividade distribuída, baseada em blockchain, presente em projetos como Axie Infinity e Descentraland.
A tese da estrutura sem servidor central ou proprietário, com ativos vendidos em NFTs, transacionáveis no mercado secundário (exchanges) promete o maior salto de todos porque congrega os interesses no phygital, que é a fusão do físico com o digital que dá suporte ao metaverso, com DeFi, que é a ideia de um sistema financeiro alternativo, descentralizado, baseado em cripto.
II. Digital Twins: a ideia de simulações de mundo real (cidades, indústrias) com todos os seus elementos dinâmicos (rede elétrica, gás, água e esgoto, pessoas e veículos em fluxo, etc.) representa a segunda maior área, no meu ponto de vista.
Não está tanto na mídia, mas promete revolucionar o que se entende por arquitetura, engenharia, além do tratamento de problemas sociais complexos, que passarão a ser objeto de modelagens e simulações baseadas em metaversos, como venho falando há algum tempo. Aqui, os principais players são os governos.
III. Relações de trabalho remoto-digitais: enquanto o híbrido, um regime em que alguns dias os funcionários estão remotos, enquanto em outros estão presenciais, é a marca do retorno à “realidade como ela é”, as relações em que parte das pessoas está remota e parte presencial, em ambientes imersivos, será a tendência do futuro.
O grande driver será a expansão da lógica das contratações globais – e não a tecnologia do metaverso per se. Enfim, o movimento será puxado pelo que hoje vemos nos Estados Unidos e que vem sendo chamado de “great resignation”, o qual empurra as empresas para contratações globais. Mais sobre esta tendência aqui.
Na minha visão, a Microsoft será a grande vencedora. Seu projeto é muito superior ao do Facebook/Meta (Horizon Workrooms). Do mais, o Hololens já está inserido na indústria – além, é claro, do fato da realidade mista produzir experiências muito superiores ao VR.
IV. Metaverso social: vai ser tendência, o Facebook vai conseguir sair do outro lado com a sua tese de pé, mas, no todo, menor do que a concorrência.
Se o metaverso seria a possibilidade de usuários circularem por uma série de tipos de realidade virtual com um login único, como vai ficar isso na prática?
Logins únicos funcionam em plataformas proprietárias e quando existe interoperabilidade. Hoje em dia, as Big Techs estão sob intensa pressão para abandonar a exigência de que os logins envolvam, exclusivamente, as suas autenticações proprietárias, ou seja, o primeiro caso. Por exemplo, a Meta, que exige que os logins no Oculus sejam feitos a partir do Facebook, anunciou a reversão desta demanda, para o ano que vem. Mais aqui.
Sobre o segundo, do ponto de vista tecnológico, não é complicado – soluções como o oAuth permitem isso. Mais aqui.
A questão é se de fato teremos interoperabilidade, a qual não é do interesse das Big Techs, conforme relatórios internos mostram. Mais aqui.
Há algum sistema aberto em desenvolvimento para que diversas empresas construam ativações no metaverso? Se não, muitas empresas vão ficar para trás economicamente, né?
Todos os sistemas baseados em Web 3.0 são abertos e permitem ativações de marca com muita liberdade. A grande questão, nos dias atuais, é a existência de uma bolha no mercado digital (que eu acho que irá gerar uma reedição da crise do subprime, digital, em que ao invés de hipotecas teremos empréstimos e dinheiro de VCs indo para o ralo), que torna os investimentos custosos demais e, portanto, arriscados para as marcas, especialmente as menores.
Em resumo, o momento de maximização utilitária passou. Agora, o melhor é esperar a primeira crise para agir na reprecificação. O metaverso segue fielmente a curva de Gartner. Mais aqui.
Como o metaverso pode mudar o funcionamento da relação entre negócios, criatividade e consumismo no futuro?
A partir do momento em que nossas relações com o mundo físico são intermediadas por interfaces digitais, estas passam a ser parte essencial do que entendemos tacitamente como realidade. As mudanças que seguem deste paradigma são inúmeras e essencialistas, isto é, alteram relações primárias, como a geração de valor a partir do trabalho, a percepção de bens de primeira necessidade e o sentido de marca. É mais ou menos como aconteceu com a eletricidade após a segunda revolução industrial.
Como um neurocientista, o que projeta de benefícios e consequências da navegação no metaverso pelos humanos?
As principais serão:
I. Maior poder abstrato das crianças das gerações vindouras, que aprenderão muito cedo sobre uma realidade fenomenologicamente enriquecida, em que informação não é sinônimo de existência física, “ontológica”. Isso prolongará o efeito Flynn que é o aumento do QI, de geração em geração. Trata-se de algo importante porque hoje se discute muito a sua reversão. Mais aqui.
II. Mudanças de conectividade cerebral, com ativação aumentada das áreas de visão e processamento abstrato e menor demanda sobre a memória de longo prazo.
III. Demência digital, um conceito que venho discutindo muito e que parte da premissa de que os idosos terão que se esforçar cada vez menos, mentalmente, em face dos serviços tecnológicos imersivos, o que por sua vez acelerará os processos de demência.
IV. Socialização phygital, que é a percepção de quasi-equivalência de valor entre as relações presenciais e remotas, sob o predomínio da lógica da informação.